Caminhos!

Piso caminhos intransitáveis,
em chãos impalpáveis
entre paisagens jamais tocadas
ou maculadas pela vil exploração,
domínio de reles conquistas,
vítimas de cruel exacerbação.
Onde ninguém se atreveu
sem pesar o que perdeu,
ou se perdeu.
Abraço o desafio da entrega,
desbravo a terra,
saúdo o alvorecer,
bendigo as flores,
os amores,
o entardecer,
os espinhos a sangrar lições.
Sigo a canção nascida do acaso,
a luz que clareia,
da imaginação.
O que minh’alma carrega
é o que rega o estio que aterra,
oração para que a chuva ague
o mar ressequido da aflição,
e as viravoltas de girassóis dourados,
nos canteiros e jardins de adoração.
Quero mais lágrimas nos olhos,
chorar o estio até a sede acabar.
Percorro estradas de folhas desabadas
e outras verde-limão,
pedras amontoadas,
tapetes de algodão,
belezas a se perder com toda a razão de ser.
Levo a vontade de ir,
sem partir,
sem adeus
ou despedida,
do jeito que o sonho pedir.

Tempos Conturbados!

Nesse tempo de rapidez tamanha,
de não mais saber onde mora o longe,
da tecnologia que nosso ar respira
e o pensar expira,
pois a tudo ela responde.
Da compulsão de olhar para uma tela fria
causando estragos,
mentes doentias,
largando um mundo inteiro para lá,
juntando distâncias que se percorria
com a emoção de se querer chegar,
de se encontrar,
trocar carinhos,
sentindo o toque real de tal magia.
Perco-me em pensamentos
em um vaivém de dias desencontrados.
O ano quase se foi,
os meses não querem ficar,
os dias apressados
estão todos agendados.
O amanhã já é ontem,
o ontem virou saudade,
o hoje está cansado,
chegou bem atrasado.
Despeço-me dos ricos detalhes.
Merecem pausa para os apreciar.
Despeço-me da fantasia,
o tempo é curto pra se divagar.
A noite vem chegando,
o dia vai raiar:
não dá mais para sonhar.

Manhã!

Amanhece.
Entrego-me aos braços da manhã
confiante na luz a me banhar clarão.
Aninho-me em seu colo.
Decolo.
Alma desprendida alcança o céu
e o traz para dentro de mim,
o faz fazer parte de mim,
liturgia ungida de sacramentos.
Portas abertas,
meu corpo é templo
a contemplar a letargia do momento sacro,
na fé que em meu corpo guardo,
ainda que todas as mazelas do tempo
destoem a oração do dia,
a homilia,
surdas aos cânticos melodiosos da manhã,
a brisa que sopra a ternura do amor,
manto divino
onde abrigo meu interior.
Regressa.
Com suavidade,
sem pressa.
Sua luz não escurece.
Perpetua-se em cada coração.
Resplandece em cada oração,
na esperança que o dia oferece
e na manhã que nasce feito prece.

Madrugada!

Sou mais a madrugada arredia,
que não é noite nem é dia.
É orvalho e alvorada,
oração intercalada
no silêncio que prenuncia
o novo que virá.
Sou a madrugada interposta,
mediando o morrer da lua
e o nascer do sol
a deixar no ar um ar de o que será?
O abandono,
onde todos vestem sonhos
na espera do novo que virá.
Sou a madrugada sem atalhos
onde livres brincam os pensamentos
e a magia tece em colcha de retalhos
palavras colhidas do momento
em versos que se trombam,
emoções que se encontram,
ritual da paz.
É manhã que chega.
Madrugada que jaz.

Contraversões!

Em qual versão me perdi?
Foram tantas que vivi,
expostas e inconvincentes.
Talvez em todas ou nenhuma.
Ou, quem sabe,
na tradução que imaginara
ser tal qual o meu perfil.
Porém, ele se modificara
de acordo com os traslados dos dias
a interferirem na alma,
seguindo a revolução decorrente dos fatos
que lacram,
decepam,
descartam,
buscando entre boatos e mentiras
uma verdade sincera,
a qual me propusera,
julgando ser o caminho ideal.
Quimeras.
Foram tantas as versões!
Verdades se multiplicaram,
confundiram minhas (re)ações.
Insensatez.
Volto ao ponto inicial
e recomeço outra vez.

Divagações!

Vivo?
Resisto.
Já vivi antes dos vendavais,
sob brancas nuvens
clareando meus quintais.
Agora sobrevivo.
Após a devastação de sentimentos e raízes
plantados dentro de mim,
do extermínio de flores e matizes,
essências a compor meu ar,
agora rarefeito,
fincando marcas indeléveis
do mau tempo em meu peito.
Hoje simplesmente existo.
Ou inexisto?

Eclipse Humano!

O sol espia,
provoca,
inunda,
fecunda,
evoca,
alcança lá,
acolá,
menos o aqui.
Não há como alcançar:
nem mesmo um raio
consegue vir até cá.
O girassol se mostra,
aposta
na manhã,
no dia que será.
Sob comandos solares,
põe à prova
sua liberdade
e se prostra nos lugares
a girar.
Coração carente,
irreverente,
não vibra.
Triste,
se equilibra,
resiste,
faz sombra
e a luz desiste de entrar.
O sol lampeja
raios de vitória,
sorri por se alastrar,
coroa-se de aurora:
cores dançam em desagravo
ao eclipse humano,
ao inconsequente
ato desumano.

Tempo!

E a vida devagar
tolhe devaneios parcos,
poucos,
sonhos enroscados,
perdidos,
afoitos,
famintos de querer ficar.
Ocultos em oposição ao vento
pedem por socorro
clamam abraços de um poeta louco
a não se dar conta
de que o tempo é pouco
para investir tanta emoção
e se emaranha nesse espaço roto,
por contradição,
nessa trajetória breve
que descreve
um caminho torto
onde o espinho arde
e a flor já não mais dá.
Mas se o motivo é arte,
há que se cumprir a sina
da poesia que invade.
Ainda que o sol se (o)ponha
e na última esquina,
de qualquer rua,
aponte nua –
em inusitada quinta fase –
a lua.

Pensamento!

O pensamento segue o comando
da mente livre para o guiar.
Livre para voar
e virar:
virar flor,
virar cor,
virar alegria.
Permeia os versos,
vira poesia,
vira pássaro,
alça voo,
vira lenda ou magia,
vira vida,
pula a morte,
vira o que não mais importe,
vira o que queira virar.
Depende da sorte
ou do azar.

Espera!

A poesia espera
a flor nascer no jardim,
o beija-flor voltear
a rosa vestindo carmim,
em um beijo doce selar
o amor que não tem fim.
A poesia espera
o beijo frio da estrela,
o último por do sol,
a próxima lua cheia,
o eclipse total,
a aurora boreal,
e toda a beleza celeste.
A poesia espera
a distância encurtar,
o encontro acontecer,
a aproximação vincular
almas que se buscam,
se amam,
se ofuscam,
andarilhas na multidão
sem ter onde ancorar.
A poesia espera
o momento lento,
o silêncio bento
de palavras caladas
e incalculáveis significados,
instantes eternizados,
sentimentos tantos,
santos,
raridades,
verdades.
A poesia espera
o rio transbordar,
enfim, e alagar toda tristeza
curando desastrosa crueza
a afluir em um mar sem fim.
A poesia espera
o arrojo do arrependimento,
a delicadeza do perdão,
o ápice do arrebatamento
enquanto o poeta dá vazão
a um turbilhão de sentimentos.

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