Rio!
(...) Quero: ser rio que chega ao mar vencendo as batalhas de seu fluxo ao tornear pedras, colidir em rochas, modelar-se à opressão das margens, nortear as águas durante seu percurso, único recurso para estancar a sede.
Subentendido!
Não explico a ausência. Deixo rastros de resiliência em sonoro silêncio a ecoar de mim. Disfarço minha tristeza e grito em versos ritmados cada linha que traço. Não proclamo o amor. Está explícito no que faço e se não faço, não há. Não aponto caminhos. A cada um cabe o seu. Toda escolha, um dia, leva ao mesmo encontro. Não exacerbo o certo nem restrinjo o errado. As duas medidas pesam em diferentes balanças e a cada uma o seu conceito: vale deixar subentendido o que ainda pode ser feito. Não dito regras nem as formulo. Cada coração rege seu rumo e à razão é dado o veredicto final. Consequência é resultado de toda ação. Só sei que nada sei e o não saber subentende-se: explora o que não há. Não apregoo a alegria, nem descrevo o meu pranto. Dissimulo a beleza da poesia dos cantos. Minh’alma procura mostrar ou subentende-se em meu olhar.
O Poeta Chora!
E o poeta chorou! Chorou pelo que podia ser e não foi. Por tudo que cultivou e não deu. Pela flor que poetizou e morreu. Chorou pela insensatez, pela aridez que se assolou, pela pequenez que se inflou, combalido mais uma vez por ter perdido o sentido de tudo aquilo que fez. Pela esperança equilibrista, pelo fim do show do artista, pela crueza fria que se estabeleceu, pela paz que o mundo, um dia, creu. Chorou convulsivamente de uma só vez, como uma criança que, sem nada entender, precisa, de repente, crescer, castigada pelo que não fez, esquecendo-se da bala que a amargou, para encarar o mundo mau que hoje se instalou. E o poeta chora! Fora vencido nessa hora. Chora por mim, por você, pelo que sonhou. As lágrimas são palavras que não quer dizer agora.
Entrega!
Entrego-me ao crepúsculo das horas, ao tempo que não se demora, ao sonho impalpável irrompido da aurora onde minhas mãos resvalam, tremem, teimam, demoram pelo cansaço da persistência. Entrego-me ao intransitável, às lonjuras sem demarcação a transitar minha existência, minha solidão. Às veredas purpurizadas, aos canteiros de jasmins, às belezas não sondadas que não vejo, mas que existem sim, aos sonhos interditados sem avisos nem porquês, ao desejo de ir, apesar de. À sensação de que vai passar e permanece, sem trégua, em mim. Aos mistérios a rondar, ao ter que crer sem ver e ninguém para revelar. Ao definitivo do não eterno, à certeza de haver um fim, às perguntas sem respostas. Meu silêncio a gritar e ninguém a me ouvir.
Mundo Paralelo!
Então perco o chão na transcendência, eloquência e impaciência de levar meu imaginário (sem elo) a um paralelo mundo são.
Talvez!
Talvez o tempo reverta a pálida esperança em crescente certeza e me traga a surpresa de um bem inesperado que nem sempre se alcança, ou o amanhã retroceda ao ontem ininterrupto e o estenda ao futuro. Caminho escuro. E tudo fica na mesma. História que tento mudar, rima que não quer mais rimar, poema que já não se faz notar: enfatizado, mastigado, engasgado. Talvez o hoje vivido tenha valido uma eternidade e meu eu distraído não tenha medido tamanha felicidade nem notado as manhãs de belezas louçãs, momentos desprezados na espera do amanhã que talvez nunca venha ou se faz de rogado. Talvez esses versos piegas sejam fiéis mensageiros de tempo verdadeiro, de mensagens sinceras e carreguem bagagens de sonhos, miragens, gerúndio se estendendo em todos os tempos trazendo-me a chance de continuar sendo mesmo em um tempo já ido sem nunca ter sido.
Ah, poeta!
Ah, poeta, desenhista do lirismo, observador das minúcias da alma, detalhista de tudo que o cerca, arquiteto de pormenores, do que avista pelos arredores, psicanalista que descreve a vida e revela o além, a sobrevida e nada ou ninguém o detém. Quando morre, nunca morre de fato e, em um impacto, renasce na flor, ressurge na alegria ou na dor, rebrilha no brilho da estrela que se apaga, conduz o frágil timoneiro em sua barca parca, pincela de cores espaços escuros, amores falidos, ocupando vazios e intervalos obscuros. Reacende a esperança que, embora morta, recomeça a verdejar por entre estrofes onde versos são reversos das decepções e hostilidades, das injustiças e desigualdades, humanizados docemente em poesia, na magia de transformar espinho em fantasia, na busca incansável de amenizar a agonia. O poeta é imortal. Da alquimia, a pedra filosofal conquistada pelo sonho que traduz o mais recôndito interior de sua alma. Não, o poeta não morre. Segue a sua luz. Eterniza-se! Eterniza-se em palavras!
Poeta!
O poeta sabe que não pode parar. Nada o obriga a prosseguir, a não ser a inquietude louca ou o frenesi indomável de combinar palavras colhidas e equilibradas na corda bamba imaginária de um circo dentro de si sem sombrinhas ou proteção, palavras à vela, despojo que revela a verdade que pode ser sua e se coloca nua, exposta em uma janela. Não, o poeta não pode parar. Tem por sina dizer o que obstina, tem por norte não temer a morte visto que da alma lança mão, alicerce da inspiração, substrato da mente, semente que entumece e cresce enquanto o resto permanece em vão. Sem poeta é mundo sem visão, é olhar por trás da lente que embaça, não perceber o pranto, o riso, a esperança, o sonho escondido por trás da vidraça, dançando com versos ao som da inspiração. É ver a insensibilidade virar coração. É viver em um mundo triste onde a realidade persiste em ser apenas o que se é.
Internamente!
Saio de mim. Observo-me. Sou mar volteando a ilha tentando explicações. Busco me compreender. De longe e de perto há muito de encoberto. Pego carona em uma onda que me leva e traz. Passado e presente vasculham-me a mente, travando embate perspicaz à procura da fase em que me perdi, onde o obscuro não refaz o que não lembro mais. Apaguei com borracha e ninguém me acha. É onde me desconheço. Onde a angústia mora e o nada me consola. Imagino uma escada e recomeço outra vez do primeiro degrau. Vou limpando as fuligens até alcançar o último clareando o que tranquei. Talvez assim me ache em um encontro surreal: Internamente, terno.
(In)lucidez!
Prefiro o desequilíbrio lúcido a revirar sentimentos calados fazendo barulho para manter-me viva, a seguir outro compasso na contradança da vida que contraria e impede a valsa. Prefiro perder-me de vista e reencontrar-me nova onde se entremeia a pista que a todo instante se renova no salve-se quem puder e salvarem-se todos, entre mortos e feridos. Prefiro atalhos cerzidos, remendados um a um, à reconstrução de caminhos que não levam a caminho algum. Entrego-me ao inesperado, ao sonho inusitado, às contradições do dia, à luz de cada manhã, à espera compulsória, ilusória, alienada ao mistério não revelado da incerteza do amanhã. Prefiro-me a mim, como sou, assim, (in)lucidez que vibra a cada lampejo do sol, com as miudezas da rua, com as voltas do girassol, com a nova fase da lua, com as reviravoltas da vida.
Poesia!
(...) E a poesia virá, simplesmente, sem palavras, brandamente, com o silêncio que se fará, traduzido pelo encantamento dos versos que o poeta interpretar, enlevado pela emoção de quem fala sem falar. (...)
Um ré maior!
Re (comece): toda dia amanhece mesmo que você não queira ou ainda que você se feche, a manhã sempre aparece. Re (verta) em sabores, os dissabores, das rochas também nascem flores, dos espinhos, a evolução. Re (ligue) o ato de religar gera religião, comunhão, transcende, acalma, comunga seu corpo com a alma. Re (encontre) valores verdadeiros, hoje, forasteiros, amanhã, herdeiros a perpetuar sua história. Re (viva) momentos inesquecíveis, retratos da ausência, partículas de essência, breves, infalíveis realezas, sopro de brisa afugentando a tristeza. Re (nove) a vida, o modo de agir, (re)agir Mudança (re)quer sacrifício e, por mais que seja difícil, contribui para crescer. Re (construa) "setenta vezes sete" os muros desmoronados, ruínas de castelos que esmorecem onde sonhos entre escombros permanecem. Re (produza) a frase que se perdeu, o texto que deixou rastro, palavras sem significados, o poema que não escreveu. Re (veja) tudo que pode ser costurado, customizado e transformado. Planos a serem (re) formulados, passos que possam ser acertados. Re (considere) o que vale a pena. Re (vele) o que o âmago impele. Re (dobre) a paixão pela vida. Re (inaugure) aquela estação esquecida. Re (nasça) todo dia: na fala do dia, no improviso das horas, nas cicatrizes do corpo.