Via Crucis!

E, então, decidi
despojar-me de todos pecados,
ser meu próprio Pôncio Pilatos,
ter meu corpo crucificado.
Não para salvar a humanidade:
não me crivaria de tamanha dor.
Cristo foi mais sonhador.
Não, foi mesmo autopiedade,
da alma,
em busca de serenidade.
Caminhei com a cruz
a que me impus.
Não caí somente três vezes.
Foram muitas!
Já havia tombado tanto,
pelo peso de meu pranto,
por minha consciência pesada
em não ouvir a voz da razão,
nem mesmo a do coração.
E, agora, Via Crucis,
levo-me à condenação.
Fui Verônica.
Cantei o meu desencanto,
limpei sangue de meu âmago,
deixei registrado no pano
o meu triste desengano.
A Madalena arrependida,
pelo homem incompreendida,
agora cheia de dores e acatos.
Vítima dos desacatos.
Tentei levantar-me,
ser o meu Cirineu,
reacender a chama
que um dia morreu.
Momento sublime.
Maria, mãe que redime.
Um encontro,
um olhar,
nem foi preciso falar.
A única expressão:
a de nosso coração!
Sedenta de amor,
bebi o seu mel,
desnudei minha alma,
arranquei-lhe o véu
e chorei.
Implorei.
Ajoelhei-me
e, finalmente,
enxerguei uma luz
semiapagada,
de um sol eclipsado
recomeçando a acender.

Crença!

Creio em ti!
Antecipa-me o céu.
Bem de leve,
sem escarcéu,
clareia-me a escuridão.
Mar de atrocidades,
turbilhão,
onde a hipocrisia se cria
gerando só falsidades
e a poesia se esconde
em meio à desarmonia.
Anseio a paz que há em ti,
reviver o que já cri.
Abre-me portas,
janelas,
incita meu voo livre,
ampara-me em tuas asas
que de junto de mim convive.
Preciso do ar que exalas.
Ouvir de teu coração
a melodia que espalha
ressuscitando emoção.
Devolve-me a paixão esquecida,
me faz forte,
guarida.
Põe-me diante do novo,
de novo,
diante da vida.
Estanca a minha ferida,
sopra de mim essa dor,
livra-me de qualquer rancor,
devolve a fé que perdi.
Só tu podes.
Creio em ti,
pois és o amor!

A poesia virá!

E a poesia virá
nascida de todo lugar:
livre,
plena,
pura,
apesar do breu da noite
que traça mistérios no ar
ocultando a lua insinuante que,
através de uma nuvem entreaberta,
revela um brilho de sedução,
provocando um fascínio ofegante
que prontamente despertará.
E a poesia virá,
quando ao abrir os olhos
vir a noite virar dia
colhendo toda a alegria
da manhã que sugere renascer
encobrindo a nostalgia
de um sol que se faz poente
e languidamente
desmaia no horizonte
após a tarde,
a despedida,
e calmamente se vai.
E a poesia virá
quando a esperança ficar.
Ainda que a dor atormente,
o mundo tornar-se descrente,
o sofrimento teimar em arder
queimando o cerne da gente,
a alma só ganhos terá
lapidada pelo ourives do tempo
trazendo a certeza de que passará.
E a poesia virá,
simplesmente,
sem palavras,
brandamente,
com o silêncio que se fará,
traduzido pelo encantamento
dos versos que o poeta interpretar,
enlevado pela emoção
de quem fala sem falar.

Sem Poesia!

Quando acabar a emoção,
preponderar a razão,
traçarei a minha trilha.
Nenhum envolvimento
que arrebate,
nem a luz que da estrela brilha,
nem tudo que se interpõe,
de repente,
no caminho,
e nos propõe um embate,
pressionando-me a indagar:
fico ou me deixo levar?
Nada me fará parar!
Quando não houver mais emoção
e puder contar com a razão
recomeçarei a vida.
Direi não ao coração,
às armadilhas sutis,
artimanhas febris
forjadas pelo destino.
Às oferendas do mundo,
às cores,
dores,
flores,
amores.
Seguirei em frente,
usarei o tino
ilesa a sentimentos profundos.
Mas como projetar os sonhos?
Sem alvoreceres,
como sonhar?
Desprezar entardeceres do outono?
Sem arrebóis volveriam os girassóis?
Os amanheceres,
a chance de recomeçar?
Pode o poeta viver sem oferendas,
belezas que trazem o dia,
as dores,
os amores,
as flores,
os sentimentos?
Seria negar a todo momento
o dom divino de poetizar.
Morrer a cada dia,
sufocar o que precisa extravasar.
Trancar para si a poesia
e omisso,
se calar.
Deixar à deriva os versos,
a rima sozinha a bailar.
Matar o que alivia,
se suicidar!

Transformação!

Retira o cinza da vida,
pinta-a com a leveza das cores:
suaves,
amáveis,
amenas,
penetráveis à alma, apenas,
à espera do facho de luz
que conduz,
estimula à calma
e induz ao encontro da paz.
Enxuga o pranto salgado
molhando o rosto cansado.
Mostra que sabes sorrir.
Inventa motivos.
Eles hão de vir
enterrar os já saturados,
os novos serão festejados
com bailados,
flores e cores
em qualquer jardim.
Faz isso por ti,
por nós,
por mim.
Dança com o por do sol,
vibra a estrela cadente
riscando teu âmago ardente.
Lixa a aspereza do corpo,
mergulha-o em águas fluentes
onde haja rosas,
ninfas e duendes.
Desequilibra o lúcido,
o insano.
Pende para a loucura,
por instantes,
intervalo para a inspiração,
suporte para a transformação.

Percalços!

Agora que já fomos tão longe,
enfrentamos temporais, sufocamos nossos ais,
amparamo-nos,
um ao outro,
nas derrocadas.
Choramos,
dançamos,
demos gargalhadas,
brigamos como todo casal normal.
Amamo-nos
e feito cúmplices,
em segredo,
guardamos em silêncio nossos momentos.
Inesquecíveis momentos.
Os mesmos que agora jogas para o ar
esperando que o vento os venham dissipar.
Agora que já fomos tão longe
pedes, irredutivelmente, para eu voltar.
Voltar pra onde?
Esqueci o caminho.
Tua caminhada foi meu pergaminho,
andei teus passos
sem olhar para trás,
cegamente obedeci aos teus comandos,
pensando, um dia,
encontrar a paz.
Mas, teimas prosseguir sozinho,
de meus carinhos
que hoje se desfaz.
São as intempéries do destino,
dragão demolidor de sonhos,
que faz do tempo
um momento breve
onde a volta não se cogita jamais
e o percurso se resume em ida
nesse curto espaço que se chama Vida.

Espelho!

Que espere a emoção!
Dê-me um tempo a inspiração.
Rasa de sensibilidade,
encontro-me com a verdade
de cara lavada
sem máscara ou vaidade
frente ao espelho.
Quem sou?
Ele nunca revela.
O lado que mostra
é o que me prostra
e o que todos veem.
Retrato mal formulado,
moldura sem essência:
minha passiva armadura,
defesa de meu ponto fraco.
Meu exterior de agruras
que tento esconder.
A fragilidade oculta
não deixa transparecer.
Minh’alma não espelha
e preciso saber
o que ela quer de mim.
Como mostrar-me nua,
se a nitidez ofusca
e é o que quero transparecer?
Encobre as perfeições
mantidas bem guardadas,
veladas,
consagradas,
para os tempos de expiação.
Reflete as evidências,
o óbvio,
as certezas.
Esconde o coração.

Busca!

Busco o sonho guardado
em uma esquina qualquer do tempo.
Com um sopro,
o faço reviver,
após anos de cárcere privado,
vindo agora me surpreender,
realizando o desejo mais esperado.
Traz o hoje,
presente embalado
pela essência do inesperado:
a certeza do que se pode viver,
descartando desperdícios
de instantes fracionados
e contados,
mofados pelo ócio de se perder,
apostando no amanhã
que pode não acontecer.

Sem direção!

Aponta-me um caminho:
de pedras,
de flores,
de espinhos.
Mostra-me a direção,
uma pista,
um traço,
um vão.
Devolve-me ao ninho,
devastado pelas incertezas
das convicções embusteiras,
armadilhas traiçoeiras
plantadas para depredar
o espaço onde piso os pés
andando ao revés
sem nunca chegar.
Ilumina a escuridão da sombra
que anoitece meu itinerário:
quero ver a luz brilhante
acender o pavio da vela
e toda sacrossanta fé
incandescer o santuário,
revelando,
em um instante,
o final de tanta espera.
Indica um ponto sequer,
um sinal,
qualquer hora,
uma rua,
um porto,
um cais,
um talvez,
um agora,
um lugar onde possa chegar,
uma estrela que me guie
já que a manhã não vem mais
e preciso continuar.
Mas, mostra-me!

Coragem!

Faz acontecer,
vibra diante da vida lá fora,
encoraja-te,
vai embora,
segue o ritmo das horas,
emociona-te a cada instante,
chora,
ri,
grita,
bebe um espumante,
celebra o release antecipado,
canta a reviravolta do momento,
pisa o reprise ultrapassado,
vive o novo enredo
sem revolta,
sem volta,
sem ai.
Simplesmente, vai.
Coragem!

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