Estratagemas (a vida em ão)

Perco o chão
prendo a respiração
ouço meu coração.
Vibro de emoção,
morro de paixão,
transbordo excitação.
Canto uma canção,
toco um violão.
Digo sim e não
qualquer que seja a razão.
Fico na solidão
só, na imensidão.
Grito um palavrão
em prol da libertação.
Saio da prisão:
o sol embaça a visão
habituada à escuridão.
Olho para a multidão
andando sem direção.
Arrisco uma reflexão,
faço uma confissão,
entrego-me à oração,
me doo à conversão,
me agarro à religião,
libero a devoção
sem noção ou pretensão.
Discuto a relação:
eterna procura de solução.
já tenho o não.
Quem sabe um sim, então.
Por que não?
Procuro temas,
estratagemas,
cenas
isentas ou não de problemas,
obscenas ou serenas,
profundas ou amenas.
Enfim, busco da vida
o poema.

Lembranças!

Trago nas mãos,
uma colcha de esperas.
Um querer feito de silêncios,
alimentando orvalhos.
Guardo nos bolsos,
retalhos das manhãs,
que recolhi,
na vã ilusão de viver um dia.
Carrego na alma,
palavras inaudíveis
que talvez nunca sejam ditas.
Trago nas mãos,
gestos tão ternos,
impossíveis de serem traduzidos.

Labirintos!

Às vezes me perco,
nesse labirinto de mim.
Procuro nas curvas,
nas esquinas,
nos cantinhos
escondidos da alma
por momentos
que me tragam a calma,
que me devolvam
a leveza dos dias.
Procuro e procuro
e, enquanto vasculho,
busco a magia.
Levo estrelas nos olhos
e olho por todo lado.
Ilumino o caminho
com o verde esperança,
da relva macia,
das folhas e ramos,
do lume dos pirilampos,
e sinto que me encontro
nesse meu labirinto.
É só olhar para dentro e ver
o que apenas eu sei
o que apenas eu sinto.
E sei
onde tudo se esconde,
onde começa
e por onde andei,
até onde quero que vá,
por onde quer que eu ande.
Pois sou o início,
sou a estrada
e o olhar.
Sou o caminhar sem pressa,
sou o trajeto que escolho,
sou a próxima parada
onde me recolho
e me encontro.
E, por fim,
sou o destino de mim.

Campo de Girassóis!

Eu quero
um campo de girassóis
para abrigar esse amor,
para não sermos dor
e para nunca mais
sermos sós.
Eu quero
a suavidade dos girassóis,
para sentir o toque,
o teu beijar de calma,
da tua alma na minha.
Eu quero
o encanto dos girassóis,
para saber da magia
e, à tarde,
na tua luminosidade,
me esconder.
Eu quero
a claridade dos girassóis,
que é para sermos sol,
que é para sermos nós.
Quero
minha alegria de viver
e, ao nublar dos dias,
quero ser
um olhar dentro
desse nosso olhar,
em direção a um campo de girassóis.

Certeza!

Haja o que houver,
estarei aqui.
Nas fendas do tempo,
no itinerário do vento,
nos confins do mundo,
nas sendas do destino,
no desatino dos dias,
na quietude das noites
da minha solitude
e haja o que houver
espero por ti.
Estarei aqui,
onde o sol nasce
e onde se esconde.
Estarei
no murmúrio do mar,
no mergulho da garça,
na algazarra da praça,
no barulho da chuva,
no cheiro da terra molhada,
na infinita estrada
que te traz a mim.
Estarei
no voo rasante do pássaro,
na corrente mansa do rio,
no calor e no frio do teu corpo,
na dança das folhas na tua janela,
no ramo que o canário traz
para fazer o ninho.
Na coreografia silente
dos peixinhos no aquário,
no teu cantinho:
Templo sagrado,
teu relicário
onde encontras paz.
Estarei
em tudo o que existe,
em tudo o que fazes,
em tudo o que sentes,
pois habito em ti.
E tu estarás
em tudo o que quero,
em tudo o que espero:
és o melhor de mim.
Não quero que fiques triste:
haja o que houver,
estarei aqui.
Nas fendas do tempo,
no itinerário do vento,
nos confins do mundo,
nas sendas do destino,
no desatino dos dias,
na quietude das noites da minha solitude
e haja o que houver
espero por ti.
Porque em mim tu estás.

Devaneios!

Aparta-se dos sonhos.
Acomoda-se na angústia de ser quem não é.
Deixa que a fragilidade se expanda como quiser.
Não sabe como torná-los palpáveis.
O medo de parecer diferente,
destoar-se perante toda a gente
vivendo a mesmice peculiar do lugar
ganha a frente, imponente.
Entrega-se ao pleonasmo repetitivo de dias iguais.
Desiste dos sonhos.
Sonhar jamais!
Tranca-os em uma gaveta de medos.
Seus sonhos,
seus segredos,
seus enredos.
Há tanto dentro dela.
Palavras que jamais foram ouvidas
ditas no silêncio que gritava,
ao vento que passava
e parava para escutar.
Ao tempo que em veloz andança
abraçava a marcha lenta
dando tempo ao tempo
na esperança de mudança
da utopia em realidade.
Talvez um dia a gaveta se abra
(e venha à tona a verdade)
pelo acúmulo de sonhos guardados,
sufocando os medos,
revelando segredos
e os caminhos se esparjam
dando passagem aos enredos.

Tu podes!

Poetiza-me.
Deixa-me respirar teus versos.
Livra-me dos poderes adversos.
Percorre meu interior.
Descreve-me em toda versão.
Divulga-me assim.
Mora na calma da paz de um coração
a pulsar, das manhãs, a canção.
Vive teus momentos em mim.
Inspira-te em sentimentos que falam
do amor que evolui e constrói.
Reconstrói-me.
Sou fruto de sensibilidades,
poço de fragilidades
que se apropriam de essências
geradas no cerne da alma.
Leva-me em tua poesia
onde a magia faz crer
que o inadmissível estarrece
e o impossível acontece.
Carrega-me, entorpecida bailarina
a deslizar no inusitado de tuas rimas.
Cerra a linha do tempo
e que nos leve os vendavais
a ancorar nos sonhos atemporais.
Tu, só tu podes,
poeta.

Hoje!

Fico aqui e deixo o mundo para lá.
Estática, vejo-o rodar.
Livre, com a sensação de não estar.
Leve e a impressão de levitar.
Ser (im)pensante,
esquecida do instante,
Isolada do que não posso transformar.
Volto-me para mim.
Sou corpo no vácuo
despejado por alguma turbulência.
Não clamo por sobrevivência.
Não chego a ser pânico nem solidão.
O meio termo define meu padrão.
Hoje tiro os pés do chão.
Afasto-me do mundo,
dou meia volta,
driblo os solavancos,
os engodos,
a revolta.
Sou meu próprio piloto
a resgatar micropartículas de mim.
Que a física quântica,
o poder do pensamento
ou tudo o que nos conduz,
façam prevalecer suas leis,
sem distâncias ou anos-luz,
e acelerem a teoria do fim.
(Ou recomeço.)

Busca!

Busquei na transparência da manhã
motivos para desencadear o riso
ante a melancolia exposta em cada rosto,
a reviravolta de um ideal deposto,
como se fora um grito de agonia,
um pedido de socorro,
uma premonição,
um aviso.
Busquei no matiz das cores
flores para enfeitar o dia,
mas o encanto se murchou
junto à flor mais recolhida,
perfume a desimpregnar rancor
diante do desencanto da aflição,
e olhares perdidos na mesma direção.
Busquei levar consolação,
porém o desconsolo fez-se solução
e meu alento para mim voltou
feito flecha a penetrar o coração
sangrando a liturgia da doce ilusão.
Ideologia não se muda da noite para o dia,
não se vende feito peça de leilão.
Eis a questão.
Busquei falar através de versos,
da poesia que canta o perdão
e acalanta os reversos
restaurando a união,
mas o coração machucado
jamais ouve qualquer canção.
Recorro ao tempo.
Nele busco compreensão,
o amor que se desfez ao vento,
a paz que reina na exclusão,
e retornarão em uma manhã
banhada de luz e recomeços,
no silêncio da oração.

Quase!

Quase me deixei levar
sem ponderar o certo ou o errado,
mas o destino tinha o não tramado
e entre o certo ou errado
o nada aconteceu.
Quase gritei meu sentimento
no ápice das emoções incontroláveis,
mas fiz falar o meu silêncio.
Retrocedi ao arrebatamento.
Quase consumei cada momento
a crescer na volúpia do voraz desejo,
no ensejo de mostrar o meu avesso,
mas tropecei na incontida urgência
de me despir em fatos e argumentos.
Quase me opus ao tempo
pedindo-lhe um contratempo,
um flashback,
um alento.
Voltar à flor do passado
colocada sobre teu teclado
em um gesto de ternura,
impensado.
E olhaste o meu olhar desviado,
calado,
querendo falar alto.
E me perdi no quase,
sem jamais me ter achado.

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