Poeta!

O poeta sabe que não pode parar.
Nada o obriga a prosseguir,
a não ser a inquietude louca
ou o frenesi indomável
de combinar palavras
colhidas e equilibradas
na corda bamba imaginária
de um circo dentro de si
sem sombrinhas ou proteção,
palavras à vela,
despojo que revela
a verdade que pode ser sua
e se coloca nua,
exposta em uma janela.
Não, o poeta não pode parar.
Tem por sina dizer o que obstina,
tem por norte não temer a morte
visto que da alma lança mão,
alicerce da inspiração,
substrato da mente,
semente que entumece e cresce
enquanto o resto permanece em vão.
Sem poeta é mundo sem visão,
é olhar por trás da lente que embaça,
não perceber o pranto,
o riso,
a esperança,
o sonho escondido
por trás da vidraça,
dançando com versos
ao som da inspiração.
É ver a insensibilidade
virar coração.
É viver em um mundo triste
onde a realidade persiste
em ser apenas o que se é.

Internamente!

Saio de mim.
Observo-me.
Sou mar volteando a ilha
tentando explicações.
Busco me compreender.
De longe e de perto
há muito de encoberto.
Pego carona em uma onda
que me leva e traz.
Passado e presente
vasculham-me a mente,
travando embate perspicaz
à procura da fase em que me perdi,
onde o obscuro não refaz
o que não lembro mais.
Apaguei com borracha
e ninguém me acha.
É onde me desconheço.
Onde a angústia mora
e o nada me consola.
Imagino uma escada
e recomeço outra vez
do primeiro degrau.
Vou limpando as fuligens
até alcançar o último
clareando o que tranquei.
Talvez assim me ache
em um encontro surreal:
Internamente,
terno.

(In)lucidez!

Prefiro o desequilíbrio lúcido
a revirar sentimentos calados
fazendo barulho para manter-me viva,
a seguir outro compasso
na contradança da vida
que contraria
e impede a valsa.
Prefiro perder-me de vista
e reencontrar-me nova
onde se entremeia a pista
que a todo instante se renova
no salve-se quem puder
e salvarem-se todos,
entre mortos e feridos.
Prefiro atalhos cerzidos,
remendados um a um,
à reconstrução de caminhos
que não levam a caminho algum.
Entrego-me ao inesperado,
ao sonho inusitado,
às contradições do dia,
à luz de cada manhã,
à espera compulsória,
ilusória,
alienada ao mistério não revelado
da incerteza do amanhã.
Prefiro-me a mim,
como sou,
assim,
(in)lucidez que vibra
a cada lampejo do sol,
com as miudezas da rua,
com as voltas do girassol,
com a nova fase da lua,
com as reviravoltas da vida.

Poesia!

(…)

E a poesia virá,
simplesmente,
sem palavras,
brandamente,
com o silêncio que se fará,
traduzido pelo encantamento dos versos
que o poeta interpretar,
enlevado pela emoção
de quem fala sem falar.

(…)

Um ré maior!

Re (comece):
toda dia amanhece
mesmo que você não queira
ou ainda que você se feche,
a manhã sempre aparece.
Re (verta)
em sabores, os dissabores,
das rochas também nascem flores,
dos espinhos, a evolução.
Re (ligue)
o ato de religar
gera religião,
comunhão,
transcende,
acalma,
comunga seu corpo com a alma.
Re (encontre)
valores verdadeiros,
hoje, forasteiros,
amanhã, herdeiros
a perpetuar sua história.
Re (viva)
momentos inesquecíveis,
retratos da ausência,
partículas de essência,
breves,
infalíveis realezas,
sopro de brisa
afugentando a tristeza.
Re (nove)
a vida,
o modo de agir,
(re)agir
Mudança (re)quer sacrifício
e, por mais que seja difícil,
contribui para crescer.
Re (construa)
“setenta vezes sete”
os muros desmoronados,
ruínas de castelos
que esmorecem
onde sonhos
entre escombros permanecem.
Re (produza)
a frase que se perdeu,
o texto que deixou rastro,
palavras sem significados,
o poema que não escreveu.
Re (veja)
tudo que pode ser costurado,
customizado
e transformado.
Planos a serem (re) formulados,
passos que possam ser acertados.
Re (considere) o que vale a pena.
Re (vele) o que o âmago impele.
Re (dobre) a paixão pela vida.
Re (inaugure) aquela estação esquecida.
Re (nasça) todo dia:
na fala do dia,
no improviso das horas,
nas cicatrizes do corpo.

Tons de Guerra!

Espanta-me a fome
em preto e branco
e a tinta,
sangrando
no solo
em cinza,
pincelando a maldade
na tela cinzenta
do homem
que, por algum engano,
era obra
que se intitulava
humano.

Escrevo?

Escrevo:
a folha em branco me impele,
provoca-me,
convoca-me,
remexe meus neurônios,
sentimentos à flor da pele
querem que eu me revele,
que me rebele,
trace recônditos da alma
diante da ansiedade
que me transtorna
o momento em que me encontro.
Palavras se difundem.
Confundem emoções,
debatem-se em confronto,
emudecem as razões.
Escrevo:
um emaranhado de letras
embargadas na mente,
de início,
incoerentes,
mas que ganham sentido
de repente,
à medida que descrevo
a verdade (in)contida,
a palavra que não digo,
o silêncio que consente
em calar o que sinto.
Escrevo:
no papel em branco
– meu cais –
onde aporto meu barco,
onde choro meus ais,
onde volto e parto
e o branco do papel
já não é mais
molhado e pardo.
Descrevo a neblina
de pranto e de mágoa
expressando o que quero,
o que grava a minha retina,
porém que nunca revelo.
Escrevo?
Talvez!

Leva-me!

Leva-me, oh, mar,
às profundezas de teus mistérios,
entre águas,
algas
e corais
onde jazem desfeitos
navios
e castelos,
histórias guardadas
não reveladas,
onde habita em um sacrário,
a paz.
Leva-me, oh, oceano,
a circundar tua imensidão,
participar de teu plano
como um rito
navegando meu barco farto
de conflitos,
despejá-los nas ondas
que nunca voltam
onde o horizonte despenca
no infinito.
Leva-me, oh, céu,
põe-me asas,
carrega-me contigo.
Quero transcender
a mansidão de teu véu,
descortinar alcovas
de amores incontidos,
alçar um voo atrevido,
destemido
e abraçar toda brandura
do infinito.
Preciso transitar entre as estrelas,
descobrir onde acordam,
onde adormecem
e me cobrir de fantasias
e cintilações.
Onde a noite surge
e a manhã começa
para onde vão as minhas orações
quando aos céus dirijo
minhas preces.
Leva-me, oh, montanha,
a permear entre névoas,
cascatas
e entranhas,
trilhar a rota da emoção
em um sonho colorido
e, lá de cima,
vislumbrar
um mundo mais bonito.

O poeta voltará!

O poeta foi ali,
lá,
acolá,
não sei onde.
Sei que voltará.
Foi buscar fragilidade
em solos lavrados
de fraternidade.
Foi ainda mais além,
acender o farol do mundo,
iluminar o breu profundo
que aqui se estabeleceu.
Foi buscar a estrela de Belém,
os sinos repicando o bem,
a neve para branquear o chão
e tornar o natal tão lindo,
ainda que mera ilusão.
Foi regar a primavera,
colher a flor mais bela
a exalar emoção.
Em tardes outonais,
roubar o dourado das folhas,
a nostalgia encantada do tempo
para o desengano do agora
que não se encanta mais.
Foi pedir paz onde há guerra
tão fria que a alma aterra
e congela sentimentos.
Foi estancar o inverno,
fechar o portal do inferno
de onde os demônios
disseminam o mal.
O poeta foi ali,
lá,
acolá,
não sei onde.
Só sei que voltará.

Sem rumo!

Não sei se prossigo ou fico,
o que me espera
em outra esfera,
não sei explicar o que sinto,
o que quero
e espero.
O espaço aqui se estreita,
não capta o que meu coração revela.
Se algum sentimento me resta
ou alguma palavra se presta
a me servir de lenitivo,
ensina-me outro rumo
sem o amargor do absinto.
Meu pensamento se esparge
sem ter mais onde ancorar:
na primeira muralha
bate como barco sem rumo,
perdido,
que só quer voltar.
Giro com o mundo veloz
na vagareza de meus passos
e meu descompasso,
cruel algoz,
aponta a todo instante
o que não faço
sob as cores de um sol radiante
gerando matizes em um campo brilhante
que minh’alma ultrapassa
e não vê;
a mesma que minha sensibilidade
não mais alcança,
mas almeja.

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